Aviso: O conteúdo aqui apresentado tem uma finalidade exclusivamente informativa sobre um tipo específico de jogo e como jogá-lo. O objetivo deste conteúdo não é nem promover nem disponibilizar um tipo de jogo, mas simplesmente informar o jogador acerca de como jogá-lo.
É uma ironia bizarra que o poker, com todas as suas artimanhas e roubos, dependa tanto da moralidade dos seus jogadores. Mas é essa a realidade.
O poker só pode existir enquanto as pessoas se sentarem nas mesas. Por isso, a comunidade trabalha em conjunto para eliminar escândalos de batota que fazem parte da lista de coisas más para o poker e que envergonham o jogo no geral, de forma a preservar a sua reputação. É uma tentativa coletiva de ajudar a aumentar a longevidade do poker, garantindo que as pessoas se sentem seguras o suficiente para continuar a jogar.
É um sistema que funciona. Em que outro sítio consegue encontrar enormes empréstimos serem feitos sem pensar duas vezes ou milhares de euros deixados numa rack de fichas enquanto alguém vai à casa de banho?
Em nenhum lado, certo?
Mas nem sempre é tão limpinho como parece. Ser rotulado como batoteiro pode arruinar a sua reputação e levá-lo a ser punido com banimentos vitalícios...
Mas alguns jogadores estão, ainda assim, dispostos a arriscar.
Muitas vezes, é difícil provar que alguém está a fazer batota sem existir uma confissão, o que torna tudo pior.
O poker é muito subjetivo. Portanto, é muito fácil encontrar uma forma de justificar até as jogadas mais questionáveis.
Há umas semanas atrás, discutimos as acusações de batota a Robbi Jade Lew, sobre as quais pode ler neste blog. E todos sabemos que já tiveram lugar vários acontecimentos bizarros nas salas de poker em todo o mundo.
Desta vez, vamos discutir outros escândalos que tingiram o mundo do poker nos últimos anos.
Ei-los, sem nenhuma ordem em particular:
- Postlegate
- Foxen e Bicknell
- Hustling no Hustler Casino
- A Máquina dos Sonhos 1.0
- A Máquina dos Sonhos 2.0
Postlegate
Há alguns anos atrás, o stream do cash game STONES LIVE testemunhou o nascimento de um deus. As equipas de comentário ficavam maravilhadas e as caixas de chat iam à loucura ao ver um tipo chamado Mike Postle evoluir de um regular fraco para um gigante do poker – da noite para o dia!
Postle destruiu mesa atrás de mesa ao longo de mais de um ano numa das maiores séries de vitórias que alguma vez verá ao vivo num stream. Ele ganhou centenas de milhares de dólares em limites tão baixos quanto $1/$3.
De uma perspetiva estratégica, era claro que a seleção de mãos pré-flop de Postle parecia bastante má. Mas ele jogava de forma tão perfeita pós-flop que isso pouco parecia importar. As decisões de Postle nos bluffs, tamanho das apostas e folds eram inspiradas.
Ele ganhava potes gigantes ao fazer jogadas pouco ortodoxas no momento certo.
Alguma coisa não batia certo, mas ninguém parecia querer saber. Postle era um deus.
Ou pelo menos era esse o caso até meados de 2019 quando uma das comentadoras do stream, Veronica Brill, levantou suspeitas sobre a possibilidade de Postle estar a fazer batota. Ela apoiou as suas reivindicações com um vídeo de 18 minutos das mãos que ela acreditava serem demasiado estranhas para serem legítimas.
Depois do post de Brill, a comunidade do poker acordou para o assunto. Celebridades do poker como Doug Polk e Joey Ingram analisaram inúmeras horas de live streams, olhando mais de perto para o assunto.
Três coisas tornaram-se óbvias muito rapidamente:
- Postle estava a jogar um tipo de poker exploratório, dinâmico e perfeito, o que era suspeito.
- Ele passava muito tempo a olhar para o seu telemóvel, que mantinha escondido no colo.
- O tamanho da sua upswing era praticamente estatisticamente impossível.
A conclusão lógica era que Postle tinha encontrado uma forma de ver o live stream do casino em tempo real, contornando o atraso de 30 minutos. Assim, ele tinha acesso, ao vivo, às cartas dos seus adversários.
Este facto explicava a sua winrate, a frequência com que olhava para o telemóvel e porque é que o mesmo estava escondido.
Não havia provas concretas, tal como costuma acontecer com as acusações de batota no poker. Mas a comunidade do poker aceitou amplamente a teoria e alienou Postle.
Uma pessoa ou pessoas abriram um processo de $30 milhões contra Postle em 2019, mas o mesmo foi arquivado em 2020. Postle entrou com um processo de difamação logo depois, mas foi abandonado pelos seus advogados. Tire as suas próprias conclusões.
Foxen e Bicknell
Não é só a escória que faz batota, e nem sempre tal é intencional. Foi esse o caso nesta situação no Venetian em 2018. Kristen Bicknell e Alex Foxen foram acusados de conluio contra Kahle Burns quando os três eram os finalistas de um MTT de $5k.
As acusações nasceram do facto de que ambos namoravam na altura e da forma pouco comum como várias mãos se desenrolaram durante o jogo 3-handed. Spoiler alert: Eles acabaram em primeiro e segundo lugar.
A maioria dos fãs de Simpsons consideraria o potencial de esmagar o ‘Eeeexcellent’ de Mr. Burns. Mas a questão é, Bicknell e Foxen fizeram-no eticamente?
Numa das mãos de poker mais suspeitas da sessão, Foxen tinha JJ no botão e Bicknell AA na big blind. Com cerca de 40 big blinds cada, pergunte a si próprio:
- Como é que esta mão não terminou em all-in pré-flop?
- Como é que Bicknell não foi eliminada numa board inócua de 5♣4♥J♠K♦3♣?
- Ou como é que ela foi capaz de fazer um fold desta envergadura no river?
De qualquer forma, apesar de ser uma sequência de eventos suspeita, dificilmente é prova inequívoca de alguma coisa. Burns estava, também, com muito poucas fichas. Por isso, a dinâmica das stacks poderia, sem dúvida, explicar a passividade.
Evitar um stack grande para se manter em prova relativamente a um jogador com poucas fichas é uma parte crucial du uma boa estratégia de torneios de poker – independentemente dos jogadores se conhecerem ou não.
Para além da jogada passiva, Foxen comentou no river, oferecendo a possibilidade a Bicknell de mostrar a sua mão caso ela fizesse fold. Enquanto esta é uma técnica clássica usada para tentar induzir um fold, é mais uma vez inconclusiva. Mas parece mais suspeito quando combinado com outros comentários que Bicknell fez.
E como é que se desenrolou o resto da sessão?
No YouTube, Finding Equilibrium fez uma investigação aprofundada sobre como Bicknell e Foxen jogavam a três. Eles descobriram que Foxen e Bicknell eram muito mais passivos um contra o outro do que contra o seu adversário.
O estudo revelou que o casal aproveitou apenas 18% das suas oportunidades de bluff um contra o outro e 62% contra Burns. Estes números ajudam a apoiar a ideia de que estavam a fazer soft play entre eles.
Esta conclusão parece condenatória, mas também é uma pequena amostra e ignora coisas como posição na mesa, tamanho da stack e distribuição das cartas. Estes fatores também podem ter um impacto sobre os números.
Está a perceber porque é que é tão difícil apanhar um batoteiro?
Quando avaliamos todas as provas, é difícil negar que há indícios de possível soft play, intencionalmente ou não. Talvez não seja “conluio”, porque isso implica algum tipo de estratégia deliberada ou plano para fazer batota. Eles também ofereceram a possibilidade de acordo a Burns, o que apoia uma teoria menos nefasta.
Se virmos soft play nesta mão, é mais provável que sejam duas pessoas preocupadas com aquele que amam do que a fazer algo malicioso. Como disse Donna Goddard: “Quando amamos alguém, fazemos questão de o proteger.”
Sim, não é ético, mas não é realista esperar que o relacionamento entre eles tenha zero impacto na situação, seja consciente ou não. Ser consistente na mesa significa considerar toda a gente como inimigo.
Parece impossível considerar o nosso companheiro ou companheira como um inimigo quando ele/ela é precisamente o contrário.
- Como é que desconsidera os sentimentos do seu parceiro quando o seu vínculo social e emocional significa que eles têm um impacto direto no seu?
- Certamente, você teria de questionar o quanto se importa com o seu parceiro se sentisse indiferença face à perspetiva de eliminá-lo do torneio. Parece um pouco sociopata.
E a autopreservação? Sejamos realistas... ninguém quer ficar a dormir no sofá. Voltar a dormir na cama exigia muito esforço caso eliminasse o seu parceiro e o privasse de dezenas de milhares de dólares!
Hustling no Hustler Casino
O escândalo seguinte é um pouco auto-induzido e envolve outro cash game transmitido ao vivo. O incidente ocorreu no início do ano passado, no apropriadamente chamado, Hustler Casino. É uma versão de baixo orçamento do drama anterior de Mike Postle.
Aqui, vimos um jogador conhecido como Skillsrocks a olhar deliberadamente para as cartas do seu adversário. Depois, utilizaria esta informação obtida de forma ilícita para jogar perfeitamente contra ele.
A grande diferença entre este incidente e o de Mike Postle é que, tecnicamente, Skillsrocks não estava a fazer batota. Apesar da evidente falta de ética, Barry Wallace deveria fazer um trabalho muito mais competente a esconder as suas cartas.
Tal como Victor Ortiz descobriu depois daquele infame soco de Floyd Mayweather, é sua responsabilidade proteger-se em todos os momentos. E o mesmo é aplicado na mesa de poker.
- Independentemente disso, Skillrocks esforça-se para olhar para as cartas do seu adversário.
- Ele também emprega um alongamento de pescoço como se estivesse numa aula de Ioga para encontrar o melhor ângulo possível para espreitar.
- Skillsrocks chega a simular olhares para as suas próprias cartas de forma a olhar, de forma menos suspeita, para as cartas do seu adversário.
- Muitas vezes, ele para de empilhar as fichas que ganhou para garantir que não perde uma oportunidade de espreitar as cartas alheias.
Quando alguém se esforça tanto para obter uma vantagem injusta, é difícil não considerar que o jogador está a fazer batota.
Entretanto, Skillsrocks pediu desculpa publicamente pelo seu comportamento e aceitou a decisão do Hustler Casino o banir.
A Máquina dos Sonhos 1.0
Caso seja um ouvinte de longa data do podcast de Joey Ingram, talvez já o tenha ouvido a mandar piadas sobre a ‘máquina dos sonhos’ de Ike Haxton. Esta piada recorrente afirmava que Haxton era tão bom no poker porque usava um supercomputador para jogar por ele.
Embora fosse uma ideia engraçada, Haxton é um membro muito respeitado da comunidade do poker. A brincadeira de Joey era claramente mais uma forma de elogio brincalhão do que uma acusação. Ninguém acreditava que existisse uma máquina dos sonhos. Aliás, isto foi há muitos anos atrás.
A única coisa que se aproximou disso foi o robot de poker Libratus, que só existia num supercomputador em Pittsburgh.
Desde essa altura, enormes desenvolvimentos foram feitos no software de poker, e o uso de solvers GTO tornou-se comum hoje em dia. Posto isto, qualquer utilização desse tipo de software em tempo real é estritamente definida como batota. E as diferentes salas de poker online estão a tomar firmes medidas para combater o problema.
Estas medidas incluem a remoção de histórico de mãos, redução de timebanks e monitorização do comportamento do jogador.
A Máquina dos Sonhos 2.0
De acordo com um tópico no fórum de poker 2+2, Fedor Kruse tentou derrotar o sistema usando a sua própria ‘máquina dos sonhos’ em 2020. Era um conceito bastante simples:
Kruse utilizaria uma base de dados abrangente e habilmente organizada de spots em cash games que já tinham sido analisados por poker solvers. E acederia a esta informação em tempo real através de um segundo computador.
Dessa forma, ele seria capaz de obter orientação GTO passo a passo, evitar protocolos de detenção e jogar perfeitamente online. Ele passou, rapidamente, de MTTs para cash games high stakes em vários sites.
Devido à sua rápida ascensão, a comunidade de high stakes começou a desconfiar e um grupo de profissionais Alemães começou a monitorizar Kruse. Eles concluíram que o jogo de Kruse não só era excelente como suspeitamente complexo.
Ele usava tamanhos de aposta dinâmicos e fazia, constantemente, jogadas não intuitivas que são todas ‘aprovadas pelo solver’. Eles apresentaram as suas preocupações à sala de poker online em questão.
Os seus colegas de casa também suspeitaram e confrontaram Fedor. Ele começou a trancar-se no quarto enquanto jogava. Eles afirmam que ele admitiu estar a usar assistência em tempo real e informaram as salas de poker do que se estava a passar, anexando cópias das conversas em que Fedor Kruse se gabava da sua ‘máquina dos sonhos’.
Por fim, acabaram também por o despejar do seu apartamento partilhado.
Desde então, uma das grandes salas de poker baniu Fedor e a comunidade de poker segregou-o. Mas ele parece não se importar, depois de ter sido visto a jogar o EPT Monte Carlo no início deste ano.
Embora grande parte das provas sejam apenas diz que disse, elas parecem bastante contundentes.
Tenham Cuidado, Batoteiros!
A forma como os colegas de casa de Kruse agiram é o exemplo perfeito de como a honra e integridade governam o mundo do poker. Apesar de lhes ter sido apresentada uma forma viável de fazer batota, preferiram não o fazer, mas sim reportá-la.
É essencial sublinhar que os colegas de casa de Kruse apenas agiram depois de terem uma confissão e provas quase inequívocas. Caso alguma vez suspeite de um batoteiro, aborde a situação da mesma forma. Assim, maximiza as probabilidades de apanhar o batoteiro e minimiza os danos a inocentes.
Infelizmente, as pessoas irão sempre tentar fazer batota e obter uma vantagem injusta.
As boas notícias é que há uma comunidade inteira a tentar apanhar os batoteiros.
Até à próxima, boa sorte nas mesas!