Aviso: O conteúdo aqui apresentado tem uma finalidade exclusivamente informativa sobre um tipo específico de jogo e como jogá-lo. O objetivo deste conteúdo não é nem promover nem disponibilizar um tipo de jogo, mas simplesmente informar o jogador acerca de como jogá-lo.
“O poker está morto!”
Jogo e trabalho no mundo do poker há mais de 15 anos e já perdi a conta ao número de vezes que ouvi esta frase. Frase que muitas vezes é utilizada de forma sarcástica quando aqueles que a proferem de forma séria são desmentidos dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Seja ao vivo, online, em Portugal ou no outro lado do planeta, o poker não para de crescer. Sim, é inequívoco que o poker tem evoluído a um ritmo extremamente alto e é, hoje em dia, um jogo diferente com o advento dos solvers e do GTO. Mas a verdade é que o poker está aí para as curvas.
Os resultados de destaque dos jogadores lusos têm sido cada vez melhores e em maior quantidade, e o ano de 2024 foi prova disso mesmo.
O poker não está morto, e neste artigo, vamos discutir o tema em maior detalhe e de pontos de vista diferentes.
A Chegada ao Topo e Aparente Declínio do Poker
Muitos de nós foram apresentados ao jogo no auge do poker boom, provavelmente o maior marco na história do poker. Na primeira década dos anos 2000, este jogo era incrível a todos os níveis. A oferta, tanto online como ao vivo, era extraordinária, os freerolls com prémios garantidos de milhares de euros estavam ao virar de cada esquina e o poker era o passatempo favorito de milhões de pessoas em todo o mundo.
O jogo tinha acabado de ser descoberto por inúmeros jogadores, e era fácil ler um ou dois livros de poker, estudar meia dúzia de tabelas de poker e imprimir dinheiro.
Todos estes fatores contribuíam para uma procura cada vez mais acentuada pela emoção que as mesas de poker tinham para oferecer, e é natural que os jogadores sintam falta destes tempos.
Contudo, acontecimentos como a Black Friday em 2011, que levou ao encerramento das salas de poker online internacionais nos EUA, a crescente regulamentação por parte dos governos de vários países e a inevitável evolução da estratégia, abrandaram aquele crescimento acima da média que se vivera no poker até então.
Jogadores que se habituaram a ganhar com uma certa facilidade começaram a ter dificuldades em fazê-lo. Não se adaptaram ao novo mundo do poker, viram-se ser ultrapassados por aqueles que optaram por estudar mais e dedicar mais tempo ao jogo, e começaram a usar expressões como “o poker está morto” para apaziguar os seus egos feridos.
Na verdade, o poker não entrou em declínio, mas na perspetiva de quem se habituara àquele mundo do poker carregado de unicórnios (ou deverei dizer fishes?), é natural que pareça que sim. Pensando bem, seria muito difícil manter a sustentabilidade da indústria do poker a não ser que aquele crescimento fora do normal continuasse.
As Aparências Iludem – Os Números
Não é fácil entrar em muito detalhe sobre os números que desmentem aqueles que continuam a afirmar que “o poker está morto” sem te matar de tédio a ler um artigo mais complexo do que Os Maias no 11º ano.
Mas vamos seguir o caminho óbvio. O boom do poker começou no Main Event das WSOP e é por aí que vamos começar.
Quando Chris Moneymaker ganhou o Main Event (ME) em 2003, já havia uma tendência de crescimento no número de participantes. 839, o número de entradas registadas no ME de 2003, era mais do dobro das entradas na edição de 1999. Ainda assim, o crescimento nos anos que se seguiram foi muito mais acentuado, tendo atingido o pico em 2006, com 8.773 entradas registadas.
Após 2006, esse número caiu para a casa dos seis milhares, e por lá ficou até 2017, ano em que voltámos a ver um aumento significativo no número de participações que, em 2023 (10.043), bateram o recorde de 2006. E se achas que foi vez sem exemplo, enganas-te. Em 2024, esse recorde voltou a ser batido, e 10.112 entradas passou a ser o número a bater.
Não, o poker não está morto.
E se colocarmos o foco em Portugal? Exatamente a mesma coisa. Os fields em torneios de poker ao vivo que existem desde o auge do poker boom estão cada vez maiores. Em 2024, o Main Event da Solverde Poker Season voltou a bater o recorde de participações e o Estoril voltou a contar com o nosso jogo favorito nas suas mesas.
E os jogos online? Vivos e de boa saúde, com a 888poker a marcar presença regular no livro de resultados de muitos jogadores lusos.
Por falar em jogadores Portugueses, podemos apontar vários nomes que facilmente entram numa lista de melhores jogadores de poker do mundo. João Vieira, Rui Ferreira, Pedro Marques, Pedro Neves são só alguns nomes que apresentam constantes resultados de encher o olho.
Em 2024, foram mesmo muitos os resultados que confirmam que nem em Portugal o poker está morto.
Entre os inúmeros prémios de 6 dígitos estampados com a bandeira portuguesa, podemos dar destaque à bracelete conquistada por Pedro Neves no Evento #38 das WSOP, onde José Carlos Brito, outro Português, foi 4º classificado. Para além da bracelete, Neves embolsou $1.098.220, um dos 4 prémios milionários entregues a jogadores lusos no decorrer deste ano.
Foi também em Las Vegas que vimos Diogo Coelho (mais um nome da lista de melhores jogadores de poker portugueses) atingir o 10º lugar na tabela do maior torneio do mundo, o Main Event das World Series of Poker. Torcemos muito, mas as cartas não quiseram e Coelho acabaria por ser bubble da mesa final para um prémio de $800.000. Mas o seu ano ainda não tinha acabado e, alguns meses depois, ele sacou um 5º lugar no Main Event das WSOP Online, o que lhe valeu um prémio de $1.421.478!
Foi nesse mesmo torneio que Rui “RuiNF” Ferreira foi terceiro para $2.390.418, o maior prémio português de sempre no poker online. Mas Rui não ficaria por aqui, e acabaria mesmo por conquistar uma bracelete nas WSOPo, a sua segunda e a 14ª para Portugal, já depois de Acácio Bispo conquistar a 13ª no Evento #9 da mesma série. Foi a jogar com 4 cartas que RuiNF se sagrou campeão no Evento #31 de Pot Limit Omaha, para $245.482.
Já a fechar o ano, João Vieira sacou (mais) um coelho da cartola e foi 2º no Main Event Triton Poker Series WSOP Paradise para um prémio de $2.590.000, o maior prémio da sua carreira. Depois deste resultado, Vieira soma mais de $12 milhões em prémios em torneios de poker ao vivo. 15 anos depois de ter começado a dar uns toques com as cartas, Vieira é a prova viva de que o poker continua bastante saudável, não achas?
O Poker Está Morto? Uma Perspetiva Mais Técnica
Bom, é verdade que a maioria daqueles que teimam em ser carrascos do poker não fazem o funeral ao jogo por questões maiores do que incapacidade de ver como o poker evoluiu e mudou, mas não morreu. Ainda assim, há quem o faça com uma perspetiva mais técnica, com argumentos onde, entre outras coisas, são mencionados os solvers, os bots e o GTO poker, coisas que podem afetar a rentabilidade do poker online. E apesar de continuar a achar que assinar a certidão de óbito do poker é um enorme exagero, há pontos válidos em discussão.
Muitos dos receios daqueles que acham que o poker está morto derivam da questão de saber se o jogo foi "resolvido". Se uma solução perfeita existir e for amplamente acessível, ganhar de forma consistente no poker online pode tornar-se quase impossível.
Em 2015, o bot de poker Cepheus fez história ao arranjar uma forma de bater, consistentemente, o Limit Hold’em. Isto significava que nenhum jogador humano conseguiria vencer o Cepheus numa grande amostra de mãos. Embora, inicialmente, este feito parecesse alarmante, é essencial reconhecer o contexto. Esta capacidade do Cepheus em bater o jogo limitava-se a disputas heads-up. O Limit Hold’em heads-up é um jogo muito mais simples em comparação com o No-Limit Texas Hold’em ou outros tipos de poker com mais jogadores. Mesmo assim, o Cepheus alcançou apenas o que é conhecido como uma solução fraca, e não uma solução forte.
Para compreender melhor esta questão, as soluções no poker são categorizadas em três tipos:
- Soluções fortes
- Soluções fracas
- Soluções ultra-fracas.
Uma solução forte oferece a melhor resposta possível para qualquer estado de jogo, incluindo situações em que já foram cometidos erros. Uma solução fraca apresenta uma estratégia perfeita do início ao fim, mas apenas se não houver desvios desta estratégia perfeita. Por outro lado, uma solução ultra-fraca prova qual jogador tem vantagem desde o estado inicial do jogo, mas não oferece estratégias completas para todas as situações possíveis. Os solvers de poker para No-Limit Hold’em atualmente situam-se na categoria ultra-fraca, longe do nível de sofisticação alcançado pelo Cepheus no seu domínio mais simples.
A complexidade do No-Limit Hold’em torna-o altamente resistente a ser completamente resolvido. Ao contrário do Limit Hold’em, onde os tamanhos das apostas são fixos, o No-Limit permite uma vasta gama de ações e estratégias de aposta. Isto cria uma árvore de jogo quase infinita, tornando uma solução completa inviável até mesmo para os supercomputadores mais poderosos. O Cepheus, por exemplo, precisou de 68 dias num supercomputador com 48 processadores para resolver o Limit Hold’em heads-up. Reproduzir um esforço semelhante para o No-Limit Hold’em, mesmo para um único tamanho de stack, está além das capacidades tecnológicas atuais.
Apesar das suas limitações, os solvers de poker são ferramentas poderosas. Os seus resultados, frequentemente disponíveis comercialmente, podem melhorar significativamente a tomada de decisões de um jogador. No entanto, essa acessibilidade também levantou preocupações sobre assistência em tempo real (RTA), em que os jogadores utilizam os resultados dos solvers durante os jogos para obterem uma vantagem injusta. Os sites de poker monitorizam ativamente a RTA, uma vez que esse tipo de jogo exibe padrões detetáveis que diferem do comportamento humano. O uso manual de solvers em tempo real é lento e difícil, tornando-o numa opção impraticável para a maioria dos jogadores.
Por isso, embora a RTA represente um desafio, não significa o fim do poker online. A maioria dos jogos continua a ser frequentada por jogadores com diferentes níveis de habilidade, e ainda é possível ganhar de forma consistente evitando adversários mais fortes. Para além disso, as preocupações com a RTA estão principalmente confinadas ao No-Limit Hold’em. Outras variantes, como o Pot-Limit Omaha (PLO), possuem árvores de jogo mais complexas e menos solvers comerciais, tornando-as menos vulneráveis à exploração. Muitos formatos de poker menos conhecidos nem sequer possuem solvers, proporcionando oportunidades para os jogadores explorarem jogos mais justos e inovadores.
O Poker Está Vivo
Podia alongar-me muito mais sobre o assunto, mas parece-me óbvio que apesar de, atualmente, o poker estar inserido numa realidade muito diferente daquela de que todos sentem falta, está bem longe de ser um jogo obsoleto.
Os resultados dos jogadores Portugueses estão melhores do que nunca, os fields estão em constante crescimento e a oferta é cada vez maior. Não estamos nos loucos anos 2000 do poker, mas com trabalho estratégico e mental, ainda é possível bater o jogo e ganhar dinheiro de forma consistente no poker!
