Aviso: O conteúdo aqui apresentado tem uma finalidade exclusivamente informativa sobre um tipo específico de jogo e como jogá-lo. O objetivo deste conteúdo não é nem promover nem disponibilizar um tipo de jogo, mas simplesmente informar o jogador acerca de como jogá-lo.
Artigo atualizado a 29 de Maio de 2024
O jogo mudou muito desde os tempos do poker do Velho Oeste. O jogo já não está limitado a salas carregadas de fumo nas traseiras de saloons.
Hoje em dia, é mais fácil encontrar um turista à procura de onde jogar poker em Las Vegas do que um cowboy com ar de mau. Os jogadores são mais à imagem de um mestre de xadrez ou um génio da matemática.
Mas por vezes pode ser difícil delinear o limite entre sorte e habilidade no poker. Alguns jogadores parecem claramente ser mais habilidosos do que outros. No entanto, parece que são sempre os sortudos a ganhar.
Por isso, será o poker verdadeiramente um jogo de habilidade?
Sim, sem dúvida.
Mas vamos discutir esta questão mais a fundo.
Poker - Sorte ou Habilidade?
Até os próprios governos de vários países têm dificuldade em determinar se o poker é um jogo de habilidade ou um jogo de sorte no que toca à legislação que envolve o nosso jogo favorito. Então porque é que os jogadores de poker têm tanta certeza de que têm a resposta?
Uma coisa é certa. No poker, há um elemento de habilidade, tal como há um elemento de sorte. Como é que sabemos isto?
Geralmente podemos saber se existe um elemento de habilidade em determinado jogo se for possível perder intencionalmente.
Pensa num jogo que muitos concordariam ser de pura sorte, como a roleta. É possível perder intencionalmente num jogo de roleta? Não, de todo. Independentemente do quanto tentemos, haverá sempre alguma possibilidade de ganharmos.
Mas e no poker? Podemos perder intencionalmente? Claro que podemos, fazendo fold a todas as mãos pré-flop por exemplo. Desde que o nosso adversário não esteja a fazer exatamente o mesmo que nós, é garantido que vamos perder. Naturalmente, a maioria dos jogadores não será mau o suficiente para fazer algo assim. Mas prova que as nossas decisões têm impacto no quão lucrativo o jogo acabará por ser para nós.
Durante décadas, o maior nome no poker era o de Doyle Brunson, um nome que qualquer amante deste jogo reconhecerá.
Ele escreveu o lendário livro de poker How I Made Over $1.000.000 Playing Poker [Como Ganhei Mais de $1.000.000 a Jogar Poker; título alterado mais tarde para Super System] em 1978... quando uma dúzia de ovos custava apenas alguns cêntimos.
Consegues imaginar o que conseguirias comprar com um milhão de dólares nos anos 70?
No fundo, Doyle demonstrou desde cedo que o poker é um jogo de habilidade muito antes de ouvirmos falar de coisas como poker GTO.
No entanto, a vantagem de Doyle era mais nebulosa e mística. Na época, o poker era mais um jogo de instinto ou "feel", e não apoiado por uma biblioteca de dados concretos.
"Mostra-me os teus olhos e mais vale mostrares-me também as cartas", dizia Doyle, considerando o enorme poder da poker face.
Agora compara isto a uma citação de uma das figuras mais influentes do poker moderno e verás o quanto o poker mudou.
"Nunca sigo os meus instintos", disse Doug Polk.
Ele prefere usar geradores de números aleatórios e tabelas de poker.
Imagina NUNCA usar os teus instintos!
Aliás, quando Doug transmitiu ao vivo o seu desafio de transformar $100 em $10.000 em 2018, ele tomou muitas decisões usando uma calculadora.
Doyle interpretava as situações de forma inata e precisa, mas Doug não confiava na sua intuição demasiado humana.
Ao converter o poker num jogo de computador, Doug pôde abordar diretamente as preocupações sobre se o poker é sorte ou habilidade e defini-lo matematicamente.
Poker é um jogo de habilidade!
Efeito da Sorte no Tamanho da Amostra
Também é importante diferenciar o poker de um jogo como o blackjack. Apesar de o blackjack ter um elemento de habilidade, é provavelmente mais correto referir-nos ao blackjack como um jogo de sorte e não como um jogo de skill ou habilidade. A casa (o casino) configurou o blackjack para ser jogado de uma forma que praticamente impossibilita derrotar o jogo ao longo de várias mãos. (Repara que há exceções em que o casino não teve o cuidado de garantir que a sua vantagem fosse tão forte quanto deveria ser.)
Então, se as pessoas estão destinadas a perder no longo prazo, porque é que ainda jogam blackjack? Bom, apesar da casa ter uma vantagem, é possível os jogadores terem sorte no curto prazo e sair da mesa com lucro. Aliás, quanto menos mãos de blackjack alguém jogar, mais a sorte terá influência no resultado. À medida que continuam a jogar cada vez mais mãos de blackjack, a probabilidade de a casa sair vitoriosa aumenta lentamente. Se alguém jogasse um número infinito de mãos de blackjack, a casa ganharia sempre.
Há algumas semelhanças com o poker neste aspeto que explicam o porquê de ainda existir o debate “sorte vs habilidade”. Se simplesmente jogássemos uma mão de poker, então seria um jogo de sorte com um elemento de habilidade presente. Mas quanto mais mãos de poker jogarmos, mais o poker se torna num jogo de habilidade com um elemento de sorte. A sorte raramente desaparecerá ao longo de uma única mão. Mas ao longo de uma quantidade muito maior de mãos (ou tamanho da amostra), a sorte dividir-se-á em parcelas iguais por todos os jogadores. Podemos usar o seguinte diagrama para ilustrar isso mesmo:
Não estamos a usar números específicos, mas é importante mencionar que a maioria dos jogadores subestima severamente quantas mãos são necessárias para que o poker se torne mais num jogo de habilidade em vez de um jogo de sorte. Não estamos a falar de centenas ou até de milhares. Estamos a falar de dezenas de milhares de mãos, no mínimo!
Poker é um Jogo de Habilidade ou Sorte ao Longo do Tempo?
Se jogámos menos de cerca de 10.000 mãos, não temos sequer informação suficiente para provar que somos um jogador ganhador ou perdedor. Aliás, até amostras de 50.000 ou 100.000 mãos podem, por vezes, ser enganadoras.
A variância no poker é ENORME.
Em baixo, poderás ver um screenshot de um simulador de EV (expected value = valor esperado). Essencialmente, mostra-nos aquilo que podemos esperar na forma de variância estatística em poker cash games. O jogador em causa é um jogador ganhador certificado de 6bb/100 (em média, 6 big blinds ganhas a cada 100 mãos), e o gráfico mostra uma gama de resultados possíveis ao longo de 100.000 mãos.
A simulação é executada 100 vezes, e os melhores e piores resultados possíveis são traçados no gráfico. A linha preta picotada indica uma winrate constante de 6bb/100; por outras palavras, o resultado médio.
Devemos ser capazes de perceber que é possível um jogador ganhador de 6bb/100 (winrate bastante decente nos jogos de hoje em dia) perder ao longo de 100.000 mãos. Isto não é muito provável, mas assumindo que jogamos mãos de poker suficientes, eventualmente acontecerá.
Também podemos estabelecer que é claramente possível que jogadores perdedores tenham grandes sequências de vitórias. Há casos de jogadores que ganharam em grande durante mais de 50.000 mãos e abandonaram o seu emprego, para mais tarde descobrir que na verdade são jogadores perdedores a longo prazo. Um amador pode facilmente derrotar um profissional em qualquer mão de poker aleatória. A curto prazo, tudo se resume à sorte no poker. E há até uma famosa frase dita entre os jogadores: "É melhor ter sorte do que ser bom."
Mas a sorte acaba sempre.
Só os jogadores sólidos conseguem bater o jogo com consistência.
Apesar de termos apenas olhado até aqui para cash games, o mesmo aplica-se, se calhar até mais, a jogadores de torneios. A variância é muito maior em torneios de poker do que em cash games. Este cenário é especialmente evidente quando consideramos jogadores de torneios de poker ao vivo que talvez se limitem a jogar um determinado número de eventos por ano. É possível que passem anos sem a variância acabar por se equilibrar. Em muitos casos, a variância pode até nunca se equilibrar verdadeiramente, mesmo ao longo da vida.
Poker - Sorte ou Habilidade? As Provas
Conforme avaliado num artigo de 2015, Study: Beyond Chance? The Persistence of Performance in Online Poker, os jogadores de poker de elite têm um desempenho previsivelmente melhor do que um mero acaso entre sorte e habilidade.
Mais uma vez, concluímos: O poker é um jogo de habilidade – SIM!
- Os jogadores de poker que ficaram entre os 10% melhores nos primeiros seis meses do ano tinham mais do dobro da probabilidade de ter um desempenho semelhante nos seis meses seguintes.
- Os jogadores de poker que ficaram no 1% de melhor desempenho na primeira metade do ano tinham 12 vezes mais probabilidade do que os outros de repetir o feito na segunda metade.
- Jogadores que tiveram um desempenho fraco desde o início continuaram a perder.
Em última análise, a pesquisa mostra que os jogadores habilidosos superam os jogadores não habilidosos. Eles não conseguiriam repetir o sucesso se o poker fosse um jogo de pura sorte.
Um estudo de 103 milhões de mãos de poker online realizado pela Citigal, Inc. também revelou duas conclusões cruciais:
- Três quartos de todas as mãos nunca chegam a showdown.
- Apenas cerca de 12% das mãos são ganhas por quem tem as melhores cartas.
Na maioria das vezes, o vencedor nem sequer tem a melhor mão!
Os bons jogadores ganham jogando melhor que os seus adversários e não tendo melhores cartas.
E se, ainda assim, procuras números concretos, os resultados deste mesmo estudo determinaram que o Texas Hold’em é 88% habilidade.
Sorte no Poker – Mito?
Uma última nota sobre a questão "O poker é habilidade ou sorte?".
A estratégia de poker pode envolver probabilidades matemáticas – e às vezes, a matemática diz-te para arriscar.
Há situações que justificam riscos calculados.
Por exemplo, podes ter um flush draw com uma probabilidade de 36% de ser completado. Apesar da incerteza, o tamanho do pote pode justificar a tentativa.
Pensa nisso como a lotaria. Imagina que arriscas €1 para ganhar €1.000.000.
Na maioria das vezes, não vais ganhar, mas o prémio é grande o suficiente para arriscar o teu euro para ganhar um milhão, porque no longo prazo, vai compensar completar o flush 36% das vezes considerando o que tiveste de pagar para o que poderás receber. É tudo uma questão de matemática.
É verdade que um pouco de sorte no poker pode fazer a diferença entre ter muito sucesso e ser alguém que nunca chega lá. No entanto, isso não significa que devemos depender da sorte para fazer dinheiro a sério.
É possível que já tenhas visto aqueles tipos que levam amuletos da sorte ou protetores de cartas para todos os torneios de poker ao vivo. Embora a sorte exista no sentido em que algumas pessoas terão azar ao longo da vida, enquanto outras terão sorte, não é correto atribuir "sorte" como uma propriedade de um determinado objeto. A sorte, no sentido de uma qualidade mística que continua a favorecer certas pessoas ou objetos, é um mito no poker.
Em vez de viver constantemente na esperança de ter sorte nas mesas, devemos querer fazer tudo o que pudermos para melhorar a nossa habilidade nos panos. E ajuda ter uma ideia realista daquilo que podemos esperar em termos de sorte e azar. A maioria das pessoas subestima fortemente o efeito da variância no poker. É comum ver jogadores a gabarem-se de ganharem dinheiro numa amostra de poucas centenas de mãos. Isso demonstra que eles não compreendem totalmente que resultados obtidos numa pequena quantidade de mãos são muito mais fruto da sorte e não da habilidade.
Originalmente publicado a 6 de Janeiro de 2024
